terça-feira, 26 de junho de 2012

O inventivo da invenção


Livro: A invenção de Hugo Cabret              Autor:  Brian Selznick             Tradução: Marcos Bagno
Gênero: Literatura infanto-juvenil             Editora: Edições SM               ano: 2007

                                                                                                Crítica de Melissa Suárez Cruz

Classificações são úteis, mas também limitantes. Definir um livro como infanto-juvenil é quase que também dizer que a narrativa é desinteressante para adultos, nada mais falso se o livro em questão for A invenção de Hugo Cabret, quarto livro do norte-americano Brian Selznick.
Narrada em terceira pessoa e de escrita acessível (é claro), não é que a história tenha profundidade dramática ou grandes reflexões filosóficas ou sociais (questões, aliás, que muitos livros adultos também não têm), estas até caberiam, já que o personagem principal, Hugo Cabret, é um órfão que vive em uma estação ferroviária e usa de vários subterfúgios para sobreviver, como roubar.
Além do subterfúgio óbvio, este menino de treze anos tem plena certeza de que precisa se manter invisível, para isso é tão importante se locomover infiltrando-se na multidão ou em tubos de ventilação quanto é fundamental trabalhar na manutenção dos relógios da estação. Este trabalho e a grande importância que o menino dá a um caderno com desenhos começam a criar a aura de mistério que são a linha mestra da narrativa.
O foco do livro não está na situação de miséria de Hugo, mas sim no convite feito ao leitor para que veja o mundo pelos olhos deste menino. É dessa forma que o caderno, seus desenhos, um homem mecânico, a loja de brinquedos, o velho da loja, sua sobrinha, entre outros, vão ganhando grandes dimensões. Isto porque são matéria-prima de temas muito caros a nós, humanos: esperanças e sonhos. Temas que dão o caráter universal da narrativa.
A esperança do Hugo foi o sonho do velho. A teimosa e inocente juventude que se dá sempre ao direito de esperar da vida o que a maturidade já desistiu de fazê-lo.
 A sedução da narrativa está não só nos mistérios que se entremeiam com sonhos e esperanças, mas também pelo formato criativo e multissemiótico que acrescenta pitadas de imaginação e magia.
Assim como há filmes-fábulas que marcam seu início com a cena de uma página de livro sendo virada, a primeira página de A invenção de Hugo Cabret pede ao leitor que se imagine vendo a tela do cinema. As bordas pretas e as ilustrações de página inteira facilitam esse processo de interação com a sétima arte.
Na verdade, é injusto chamar os desenhos de ilustrações, porque são também voz narrativa. Brian Selznick usa da sua formação em Design e da sua experiência inicial de ilustrador para, não só, ilustrar a própria escrita, como também fazer dos desenhos uma escrita. As palavras revezam espaço com as imagens e ambas contam a história. Não há invasões de linguagens. A palavra não retoma aquilo que os desenhos acabaram de contar.
Palavras, ilustrações-narrativas e cinema dão caráter multissemiótico da obra que ainda incluem outra linguagem: a magia. O formato e conteúdo do livro se caracterizam por linguagens que interagem com linguagens: a palavra dá a espaço à imagem e ambas usam do cinema como lente e como tema, interligando o cinema a seu início, a mágica.
Não é a toa que A invenção de Hugo Cabret tenha se tornado filme de Martin Scorsese. Pode-se afirmar que os oscars ganhos relativos a fotografia e efeitos visuais são em parte devidos a esta narrativa multimodal, muito estimulante para a visão, algo que com certeza ajudou o diretor nesta adaptação ao cinema.                         
Mágica é ilusionismo e cinema é ilusão, literatura é ilusão, sonhos também são ilusão. Paradoxalmente, nem toda ilusão ilude. Há ilusões que nos sensibilizam, como a literatura e o cinema; ou nos motivam, como nossos projetos pessoais. O que faz de um sonho virar um projeto pessoal de vida? Assim, o cinema, nesta história, não é só aquilo que se projeta na tela, mas também o que os e espectadores projetam para si através da tela e o que cineastas projetam de si na tela.
Por isso as invenções do livro são várias, as invenções mecânicas, as invenções da mágica (através da mecânica), a invenção do cinema (através da mágica). A autoinvenção de um futuro para Hugo e a autoinvenção do velho de um presente que nega sonhos passados.
A invenção de Hugo Cabret  não só tematiza a possibilidade de realizar sonhos como é  que concretiza e,  por isso, instigante do início ao fim.

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