terça-feira, 24 de abril de 2012

Mínima seleta de poemas contemporâneos, para trabalharmos em sala


Poema 1 - Juliana Bernardo


atestado

spa de pobre é doença

(Carta Branca, Patuá, 2011)

Poema 2 – Armando Freitas Filho




Hiato

Amor de mãe, amor de hérnia
que mesmo distante, mesmo morto
é herança que atravessa o intervalo
com seus tentáculos e tentativas
de aranha, tantalizante, e agarra, prende
por dentro: morrerá comigo, furioso.
Fiel tatuagem imune ao tempo de origem.

                                  (LAR,,Cia das Letras, 2009)

Poema 3 – Victor del Franco


SUPERNOVA


estrela
em con
trações en
tre forças
(gravi)
tacionais

corpo com
plexo em si
lente
(gravi)
dez

tino
sem
fim

tempo es
paço feito co
lapso para
outra
(vital)
idade

                                     

                                 (poema inédito em livro)

Poema 4 – Erica Zíngano


                                            o lugar mais pequeno do mundo


o lugar mais pequeno do mundo
é a unha
do meu dedo mindinho
ou a cabeça ocular
de uma agulha?
é onde é redondo penso
ângulo-agudo não agridoce
se pudesse ser curvo
se pudesse eu estar sozinha
sozinha e em silêncio
mesmo assim
gostaria de ter companheiros
companheiros só para as horas vagas
mas quase nunca sobra tempo
para maiores diversões
mesmo assim
gostaria de ter companheiros
companheiros que me dissessem
somos também pequenos
pequenos como tu
vermelhos como tu
carnívoros como tu
queremos nos deitar ao teu lado
graçolas e sem acentos e
fornicar
fornicar a valer
em pé
de quatro
ah
fornicar
fornicar o tempo todo
o tempo que não sobra
no funicular
apenas fornicar
esse é o nosso rema
remadora
somos formigas famintas
somos formigas famintas
somos formigas
mostra-nos todos os teus lados?
mostra-nos?
me viro de costas levanto
a armadura das pálpebras
a levitação do pó
os dias que decantam
em suspenso
anemofilia infértil penso
mas
infelizmente
penso
um pensamento que não leva a lado – lugar nenhum
o lugar mais pequeno do mundo
só cabe um
me disseram meus companheiros
formigas famintas
é um de cada vez
deveria ter escrito copular
e fazer eco - estropício esquisito - com o quarto verso
deste poema
que requenta aspargos velhos vesgos
em dias de pouco movimento
na antiga sala de cinema do cinema do bairro
(enfim, seria um sexo de características distintas conjugal
e uma rima boba quase sem tempero) mas já não é mais
tão importante mesmo
porque, de qualquer modo
são impedimentos
impedimentos pessoais
informei à atendente da agência de viagens
cancelamento imediato – como era mesmo o nome dela?
reembolso na próxima fatura do cartão de crédito
este canal está fechado após às 22h
sorry i’m sorry venice i’m really sorry
venice never nevermore
i’ll kiss you goodbye
goodbye baby boy goodbye
goodbye honeymoon baby-doll
goodbye goodbye rialto ritornello
pomodori tarantella
goodbye
e rio rio sem muita graça mas rio
repetindo goodbye – goodbye
one more time                                         
only for me


               (KAMIKAZE COMING SOON, plaquete inédita)

Poema 5 – Elisa Andrade Buzzo



é preciso uma dose de europa
 para nos lembrar
o começo e o fim um temível absinto uma porta
nunca mais aberta um porão gradeado esses
muros visigodos empedernidos e condenados
um cálice trará a imagem retorcida e diabóli-
ca da américa cidade florestal a noção de que
tudo já passou e está definitivamente trespas-
sado mas há algo ainda por vir uma frescura
um novo mundo que rebenta

(Vário som, Patuá, no prelo)

Poema 6 – Donizete Galvão



 
Depreciação

De hoje em diante
não irás ganhar o pão
com o suor do teu rosto.
Não precisarás mais de rosto.
Nem de suor.
Nem de um corpo.
De hoje em diante
a máquina imperfeita de teus músculos
será mais um objeto
em desuso.

(O homem inacabado, Portal Editora, 2010)

Poema 7 – Marcos Siscar



Quem

a quem tem pouco sobra diz a máxima
quem tem pouco acha muito no mínimo
tudo parece uma questão de escala
mas para ele é que é preciso graça
quem tem pouco tem que ser um tanto
artista tem que ser sábio do ínfimo
quem tem pouco quer não mais mas
outro quer tudo tudo o descortina

(metade da arte, 7Letras, 2003)

Poema 8 – Paulo Ferraz


AO PÉ DO RÁDIO

O ouvido é elemento
preciso num jogo
sem bola travado
só pelas palavras
na orelha, sua arena.

(evidências pedestres, Selo Sebastião Grifo, 2007)

Poema 9 – Renan Nuenberger


SEM TÍTULO

O que fazer deste domingo
                                    Imenso?
deixá-lo em branco? com-
pletá-lo a guache? foto-
grafá-lo só os olhos dela?
sorvê-lo inú-
til? Mas-
tigá-lo um pouco? Senti-
lo amargo como um fruto po-
dre? O que fazer para mantê-lo
em ordem?

riscá-lo a bic sobre o calendário?
                                                   (e aqui,
                                                 fechado
                                   neste tabuleiro,
                                        enquadrado
                                   como qualquer
                                                         dia;
                                               embaixo de
imagens pitorescas,
      santos católicos
 ou figuras políticas
  podemos limitá-lo
        humanamente:

         um x vermelho,
                     protocolo
                    doméstico)

O que fazer deste ordinário dia
Que escapa (novo?) do quadrado nove?

(mesmo poemas, Selo Sebastião Grifo, 2010)

Poema 10 - Annita Costa Malufe


não há metáforas, veja bem
posso escarafunchar o quanto for de sua história
mas nunca poderemos de fato voltar
o tempo é este lugar que se apaga a cada passo
e não há metáforas para além destas distâncias
instransponíveis e vertiginosas
que nos cabe esquecer

                            (nesta cidade e abaixo de teus olhos, 7Letras, 2007)

domingo, 8 de abril de 2012

Para pensarmos um pouco sobre a cultura contemporânea

"(...) a pós-modernidade não seria, apenas, uma crise a mais dentre as que pontuaram a história da modernidade, a última das negações modernas, o mais recente episódio da revolta do modernismo contra si mesmo; seria, antes, o próprio desenlace da epopeia moderna, a conscientização de que o ‘projeto moderno’, como diz Habermas, não estará nunca terminado. O fim da crença no progresso não implica, entretanto, uma queda apocalíptica na irracionalidade. ‘Pensamento frágil’, segundo Vattimo, a pós-modernidade propõe simplesmente uma maneira diferente de pensar as relações entre a tradição e a inovação, a imitação e a originalidade, não privilegiando, em princípio, o segundo termo. Uma longa série de oposições modernas perde seu caráter categórico: novo/antigo, presente/passado, esquerda/ direita, progresso/reação, abstração/figuração, modernismo/realismo, vanguarda/ kitsch. A consciência pós-moderna permite também reinterpretar a tradição moderna, não vendo mais nesta nem o movimento semelhante a um tapete rolante, nem a grande aventura do novo. Uma vez que o messianismo não tem mais lugar, revelam-se todas as contradições, os acasos, as resistências do modernismo a seu avanço. Nós nos curamos da visão teleológica do modernismo, o que não significa que "Tudo vai bem", mas, mais modestamente, que não se pode recusar uma obra sob o pretexto de ser ela ultrapassada ou retrógrada. Se a arte não persegue, de avanço crítico em avanço crítico, algum fim de abstração sublime, como desejavam as narrativas ortodoxas da tradição moderna, então nós gozamos de uma liberdade desconhecida há bem um século. Evidentemente não é fácil utilizá-la."

(Antoine Compagnon, Os cinco paradoxos da modernidade, 2010)